“Se o boi é de primeira, não há carne de segunda”, certo? ERRADO!

Entenda por que está na hora de mudar esse conceito!


Meus avós diziam que não podiam comprar qualquer tipo de carne para fazer no dia a dia porque existiam muitos cortes, principalmente pertencentes ao dianteiro do animal que eram de segunda e, por isso, ficariam duros ou demorariam horas para serem cozidos e ainda assim não eram tão gostosos quanto os do traseiro.

Eu cresci com essa informação na cabeça e aquilo era regra básica para comprar uma carne em casa. Até que me formei Zootecnista e comecei a trabalhar no TC.

Hoje em dia as fazendas trabalham com altos sistemas de produção, zootecnia de precisão, dietas balanceadas, ciclos controlados para cio, prenhez, parição, amamentação e desmame de bezerros. Tudo em conjunto com a época do ano, para que possamos ter animais de alto rendimento que gerem ótimas carcaças, independentemente do corte vir do traseiro ou do dianteiro do bovino.

Tudo isso, de fato, produz um animal de primeira, que certamente terá carne de qualidade superior aquele criado sem qualquer tecnologia ou cuidado.

O que pouco se fala por aí é a respeito da influência das etapas pós abate na qualidade final do produto. 

Um grande problema que acomete tanto animais de primeira e de segunda se chama CADEIA do FRIO.

Ela é uma das responsáveis por manter ou piorar a qualidade do produto. Mesmo aquele proveniente de um processo exemplar ocorrido dentro da fazenda, bem estar animal, transporte ao frigorífico, abate correto.

E sabe onde mais identificamos esse problema? No próprio consumidor! Dentro de casa, na nossa cozinha ou ali na gôndola do supermercado que deixamos aberta quando estamos fazendo nossas compras... A carne que deveria se manter com temperatura abaixo de 7 graus, facilmente passa de 10-12 quando fazemos isso. 

Já em casa, quando descongelamos a carne com pressa, de manhã para fazer na hora do almoço, em cima da pia, em uma bacia de água quente ou usando o microondas, podemos prejudicar um processo de anos, mesmo naquele chamado "boi de primeira".

A segunda falha muito comum que compromete a qualidade do produto final e tem a capacidade de tirar de um "animal de primeira" uma "carne de segunda" também acontece em casa. 

Um animal criado aqui no Brasil, oferece cerca de 300kg de carcaça pra gente. Nesta quantidade, encontramos uma variedade enorme de tipos de cortes. "Mas Gabi, não é tudo carne?" Sim! Mas com características bastante diferentes! Difere a quantidade de gordura, de colágeno, o tipo de fibra, a presença de mais de um grupo muscular, etc...

Isso significa que conhecer as características do corte escolhido e saber como cada tipo deve ser preparado é indispensável para ter sucesso na obtenção de um prato, não só bonito de ser ver mas gostoso de comer!

De tudo o que foi dito acima, para escolher a forma de cozimento, devemos levar em consideração o tipo de fibra e principalmente (o mais importante) as ligações de colágeno daquela peça.

Cortes como ossobuco, pescoço, acém, em geral requerem cozimentos lentos e úmidos para que haja a gelatinização do colágeno, deixando tudo muito saboroso e gostoso.

Já um filé mignon, que contém menos colágeno, pouquissima gordura e fibras longas, vamos combinar que ele só seladinho na grelha ou na chapa é tudo de bom, assim como a alcatra, por exemplo! Mesmo um corte tão macio com este, se preparado de forma errada, pode se transformar em carne de segunda...

Concluindo, podemos escolher o melhor animal, de selecionada genética, submetido à diferenciada nutrição, com processo exemplar de abate porém se cometermos equívocos no armazenamento, no descongelamento ou no preparo do corte, dificilmente vamos nos deliciar com uma carne de primeira...

Ou seja, para garantir o sucesso do seu prato e evitar desperdícios, todos os cuidados do processo precisam ser tomados.

E agora já sabe: Não adianta ter boi de primeira ou carne de primeira se o cozinheiro for de segunda! 

Confira aqui embaixo a entrevista que deu origem a esse texto: